terça-feira, 13 de setembro de 2011

Ódio?

Eu só sei escrever sobre amor. Sou uma pessoa doce, melosa e brega. Tudo que escrevo cai nesse mesmo tema. Será que é isso mesmo? Na verdade sou muito menos doce do que gostaria, ou do que acho que deveria ser. Sou chata, intolerante, e altamente crítica. E não só amo. Eu odeio, fico irritadíssima e sei ser muito má. Só que acho isso ruim, então tento disfarçar. Por exemplo, estava agora mesmo irritada por sentir que não tenho escrito nada de novo, e ao mesmo tempo dizendo que não consigo me imaginar escrevendo outra coisa. Quando me defino assim, essa pessoa que só fala de amor, acabo me limitando. Se eu sinto raiva, se odeio, por que não falar disso também?

Então me veio a seguinte formulação: o ódio movimenta o mundo tanto quanto o amor. Dizem que a fé move montanhas, mas mesmo os religiosos são altamente influenciados pelo ódio. Todo o terrorismo atual e as guerras “santas” da história estão aí para provar. Parece loucura pensar que diferenças provoquem ódio e que um sentimento gere tanta destruição. Talvez por isso a dificuldade de falar de ódio, e minha resistência até mesmo em pensar nisso. Mas o fato é que todos nós odiamos. E como há infinitas formas de amar, também há um sem número de maneiras de odiar. Acho que aí reside a principal questão: o vilão não é o ódio, é o que fazemos dele. Por exemplo, eu estava aqui agora muito irritada. Com raiva, odiando um monte de coisas, pessoas, e até a mim mesma. E daí eu comecei a escrever. E, enquanto escrevia, as palavras correndo, comecei a pensar em coisas novas, ficar curiosa comigo mesma, com as minhas acepções acerca do ódio e de outros sentimentos ruins. Então tão repentinamente como me tomou, o ódio me deixou. Claro que nem sempre é assim, e não é possível fazer disso uma fórmula: quando odiar, escreva. O que aconteceu agora comigo foi apenas uma das possibilidades de lidar com o ódio. Mas basta uma para mostrar que não é preciso temer o ódio, a raiva ou qualquer sentimento. Ocorre-me agora que o medo é inclusive um fator primordial do ódio. Quantos odeiam o diferente por terem medo dele? Do que eu tenho medo quando evito falar de sentimentos e sensações que julgo errados? Temo me desconhecer, temo que ao trabalhar com significantes novos eu me desencontre de quem acho que sou. Só que agora, depois de escrever essas linhas que ainda nem sei ao certo que efeito terão em mim, tenho a certeza de que foi bom me desencontrar. Porque só assim me encontrei nova. E saí do castelo de conto de fadas que eu mesma criara, mas que mais do que me proteger, me prendia.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Não são assim todos os finais?

“É impossível viver e pensar ao mesmo tempo.” (Gonçalo M. Tavares, “O Homem ou é tonto ou é mulher")

"O homem no meio da escada hesitava há vários dias entre subir e descer. Os anos passavam e o homem continuava a hesitar: subo ou desço? Até que certo dia a escada caiu." (Gonçalo M. Tavares, “O Senhor Brecht”)

Esses dois trechos do Gonçalo Tavares têm me feito pensar: quanto tempo nós passamos – e perdemos – pensando? Planejando, tentando entender, buscando acertar? Eu sei que eu perco muita vida assim. Tudo que me acontece eu tento enquadrar em algum lugar, tento organizar dentro de um plano de vida que eu acho que deveria seguir. Tenho medo do erro, medo da impossibilidade de voltar atrás. Medo de perder. Só que esse tanto de medo acaba me paralisando tanto que perco a chance de viver. Continuo sem poder voltar atrás e o que é pior: sem ir para frente, ou nem mesmo dar um passinho para o lado. O pensamento é uma prisão que crio tentando proteger-me do imprevisível. Mas não é possível, o imprevisível, o acaso, o incontrolável, tudo isso é parte inexorável da experiência humana. Mas mesmo sabendo disso, não adianta: continuo tentando me esquivar. Fujo tanto que acabo parada no mesmo lugar. E sempre que ouço alguém como Gonçalo falando me assusto: como é possível viver assim? Simplesmente fazendo o que tem que ser feito, escrevendo o que tem que ser escrito, falando o que lhe vem à cabeça e só aí se encontrando com suas próprias decisões? Admiro muito quem consegue agir assim. Eu estou sempre atrás de certezas. Atrás de garantias. Atrás. Estou atrás de mim, atrás das dúvidas e dívidas com as quais não quero arcar. Mas a vida sempre cobra seu preço. Só posso viver e ser feliz às minhas custas. Se evito pagar o preço do erro, o preço do risco, sou cobrada pela procrastinação e o tempo que passa e não arrefece.

Por isso, por hoje, tentei deixar-me ir pela fala de Gonçalo. Escrever o que me atravessa sem tentar organizar o fim, por mais que isso doa. E me parece agora um final abrupto, mas penso: não são assim todos os finais?