terça-feira, 24 de maio de 2011

Resenha: "Nenhum Olhar", José Luís Peixoto


"Não tenho medo das palavras. Vê como digo morte: morte morte morte morte morte. Repito-a assim e roubo-lhe o sentido. Roubo morte à morte."

Eu, ao contrário de Peixoto, confesso que tenho medo das palavras. Tenho medo de sua incompletude, da impossibilidade de ser perfeitamente compreendida, da eterna dissonância entre o que se quer dizer, o que se diz, e o que é escutado. Além disso, a impossibilidade de controlar as palavras uma vez que essas deixam nossa boca - ou nossos dedos - é algo assustador. Essas palavras aqui, por exemplo, podem fazer com que alguém resolva ler esse livro, ou desista de lê-lo. Então como posso escrevê-las, sem ter certeza de seu efeito para cada um que as lerá? Só posso, e só o faço, por me submeter justamente a essa alteridade que a dimensão da palavra traz tão forte. Só digo o que digo aqui, porque preciso part-ilhar da minha experiência na leitura desse livro. Preciso deixar que essa parte de mim se vá em palavras, para que o livro reste em mim como efeito.

Todo esse devaneio não era - como nunca é - o que eu tinha em mente ao começar a escrever essa resenha. Mas como foi o que saiu de meus dedos irei deixá-lo aqui, em homenagem a Peixoto e sua liberdade com as palavras que tanto me encantou. "Nenhum Olhar" é um livro belíssimo. Tem uma história majoritariamente triste, mas a destreza do autor com as palavras é tão grande que mesmo a tristeza me causava uma certa alegria, um contentamento por poder ler o que ali estava escrito. E tem pelo menos três cenas incríveis, uma delas, na página 55, é uma das cenas mais belas que já li na vida, só de lembrá-la meus olhos já se enchem d´àgua.

No trecho que citei no começo da resenha, Peixoto diz que "Rouba morte à morte". Eu discordo; o que ele faz, através de suas palavras, é dar vida à vida.

4 comentários:

Tatiana Kielberman disse...

Uau! Fiquei super curiosa pela leitura!!

Adoro sempre passar por aqui!

Suas resenhas são ótimas!

Beijo, querida!

Leo disse...

Este livro é um dos meus favoritos!

Marcelo Henrique Marques de Souza disse...

Submeter-se à alteridade da palavra é justamente superar o medo que ela pode representar..

Acho que o autor quis chamar atenção para essa alteridade, que, por ser 'outra', é mais próxima da morte que da vida...

Jorge Pimenta disse...

acabo de comprar "cemitério de pianos" autografado e com dedicatória do próprio. não há ninguém no mundo da escrita, hoje, em portugal, com a ternura no olhar de jlp, hoje. homem inteiro, absoluto, porque aglutinador de todos os matizes do ser.
beijinho, carina!

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