sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Resenha: Jerusalém.




A novidade da vida.

"Com os hábitos certos e monótonos Hinnerk procurara diminuir as possibilidades daquilo a que se poderá chamar de "o novo"."

Hinnerk pode até temer o novo. Todas as personagens de "Jerusalém" parecem temê-lo em medidas diferentes. A nossa sorte é que seu autor não apenas não o teme como parece buscá-lo. Sua escrita e sua história não se parecem em nada com coisa nenhuma, e é aí que reside meu maior ponto de encantamento com Gonçalo.
"Jerusalém" me deixou constrangida ao ler em suas páginas nossas incansáveis tentativas de transformarmo-nos em marionetes de nós mesmos. Gonçalo mostra de forma muito sensível, inteligente e sutil como passamos nossos dias tentando a todo custo evitar o novo, a surpresa, o imprevisto. Ou seja, passamos nossas vidas tentando evitar a própria vida.
As personagens são "claramente" loucas, mas basta um olhar um pouco menos superficial para perceber que não são mais perturbadas que qualquer um de nós.
Ao terminar o livro passei muito tempo pensando em como livrar-me dessa maldita tentação de encaixar-me na personagem que criei para mim mesma, como permitir que a vida e seus acontecimentos caiam sobre mim, como abrir espaço para o frescor que Gonçalo tanto me fez desejar. E quando estava lá, pensando, maquinando, organizando idéias, lembrei-me novamente de Gonçalo, que em outro livro diz: "É impossível viver e pensar ao mesmo tempo." e fui então atingida pela certeza de que é só assim, sem pensar, que os acontecimentos realmente novos, aqueles que mudam nossas vidas, podem acontecer.
E, apesar de ter iniciado a leitura compartilhando do medo de Hinnerk, ao terminá-la (e esse fim só chega agora, ao escrever essas palavras) fico com a feliz certeza de que a vida acontece, apesar de mim.

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