quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei - o que restou.

Preciso começar esse texto avisando que não vou fazer resenha, análise, etc do filme em si, até porque nem saberia, vou falar apenas do que o filme me causou.

Contexto mínimo: o protagonista do filme, Albert, é um príncipe e segundo na linha de sucessão ao trono da Inglaterra. Seu pai é o rei George V e Albert tem um irmão mais velho que é quem assumirá o trono quando o pai morrer. E Albert é gago. Desde sempre, ou pelo menos desde que se lembra.
A gagueira é protagonista do filme tanto quanto Albert. É o sintoma que fala o que ele não pode - quase literalmente. E foi justamente isso que tanto me tocou do filme, e que ainda está ecoando: a solução de compromisso do sintoma, o que fazemos para não assumir nosso desejo. Albert não nasce livre: ele é um príncipe, tem mil compromissos de todos os tipos, morais, sociais, familiares. E a gagueira surge na sua dificuldade de falar por si, de dar-se voz e viver estando nesse lugar que lhe é dado sem tornar-se prisioneiro dele. No filme talvez seja mais fácil perceber isso pela caracterização da personagem, a realeza e tudo o mais. Mas, na verdade, esse é o grande dilema de todos nós.
Todos nascemos já tendo um lugar. Já fomos sonhados - ou não, pensados, esperados, palavras de outros já nos definem. É nesse mundo que nascemos, ninguém é uma tábula rasa e o que nos resta é assumir esse lugar, seja correspondendo a ele ou criando um outro. Mas temos que ocupá-lo e, de lá, agir conforme nosso desejo (desejo em termos psicanalíticos, que não é o que queremos ou gostamos ou achamos legal, mas o que nos define e nos move). E aí está a encrenca. Porque se estamos na neurose, agir conforme o desejo não é simples. Enrolamos, damos nós, voltas, tentamos fugir... E o sintoma entra nisso. Albert é gago. O rei tem compromissos públicos, faz transmissões de rádio, precisa ter boa oratória. Logo, Albert não pode ser rei. Mas, de alguma forma, desde o início, percebe-se que o desejo dele está nisso. É o mesmo ponto, sempre, o que mais tememos e o que desejamos. Daí a dificuldade.
Termino então aqui na esperança de que, com sorte, eu possa, eventualmente, ser quem o eu é. *

*"Eu sou quem o Eu é." é uma frase de Lacan, do seminário XVI, "De um Outro ao outro."



3 comentários:

Maíra F. disse...

Esse seu mini-texto falou do filme de forma mais profunda e com mais alma do que muitas análises de críticos que li por aí. Engraçado que eu me identifiquei muito com o Rei quando assisti o filme, mas não tinha entendido exatamente o porquê até ler isso. "Ser quem o Eu é".

Ana SSK disse...

Vou ver o filme e depois volto pra comentar!

Fabrício César Franco disse...

O filme está na minha lista de 'coisas a fazer' deste final de semana. :)

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